Retrospetiva 2018 do jogo e antevisão das tendências de 2019

Embora o jogo online só exista há pouco mais de vinte anos, já experimentou toda a espécie de reversões: da proibição à liberalização até às restrições. E, não obstante 2018 ter sido um ano que viu tantas movimentações no sentido da abertura do mercado, como nunca antes visto – dos EUA à América Latina, Austrália e Nova Zelândia por exemplo – a Europa, o berço da grande maioria das leis do jogo online, começou a recuar. Os chamados modelos da regulação moderna dos jogos online, como o Reino Unido, Dinamarca, Itália ou Espanha, foram cada vez mais confrontados com os efeitos colaterais de um sistema de jogo online muito liberal: publicidade excessiva, aumento de questões de conformidade ou jogo de menores de idade que levaram a uma perceção bastante negativa dos jogos de fortuna ou azar em geral.

O Reino Unido, primeiro país europeu a criar uma lei de jogos de fortuna ou azar online para além de offshores como Gibraltar ou Malta, foi novamente o primeiro a reverter este caminho liberal restringindo a oferta de bónus, por agora limitando os anúncios de televisão, entre outros, multando pesadamente (em vários milhões de libras) não apenas as empresas mas os indivíduos se violaram ou estenderam abusivamente a lei. O Reino Unido também viu a necessidade de encomendar estudos sobre jogo de menores de idade ou efeitos da publicidade sobre os comportamentos de jogo dos menores. Considera ainda obrigar os operadores a gastar uma parte fixa das suas receitas em medidas de jogo responsável. Ultimamente, ao que parece, devido a pressão política, os operadores e os bancos, numa base voluntária, definem etapas para reduzir a sua exposição publicitária ou, por exemplo, introduzem recursos em aplicativos para darem aos consumidores a opcão de bloquear automaticamente pagamentos a websites de jogos de fortuna ou azar.

A Itália, da mesma forma, percebeu que ser o segundo maior país europeu em receita proveniente de jogos online também tem um lado negativo. Não é sem razão que introduziu uma proibição completa de publicidade e patrocínio. Ao mesmo tempo, apesar dos baixos impostos e da regulação de todos os produtos, eles ainda lutam pesadamente com o mercado negro. Ainda recentemente, foram descobertas operações de jogo ilícitas com um volume de negócios de 4 mil milhões de euros. Proprietários de plataformas online parece terem continuado a operar um negócio ilegal “.com” em conjunto com a oferta das suas lojas de apostas de base territorial.

Por último, mas não menos importante, Espanha sentiu a necessidade de reforçar a proteção dos consumidores e as regras antifraude, desde novas KYC (conheça o seu cliente) até medidas de autoexclusão e verificação de jogadores, a fim de minimizar o risco de roubo de identidade e o jogo de menores de idade.

Ao mesmo tempo, modelos relativamente restritivos, como França ou Polónia, parecem estar bastante satisfeitos com os progressos que fazem quando se trata das suas receitas ou do número de licenciados. A França informou, por exemplo, que nas suas apostas desportivas a GGR (Receita Bruta) subiu 40% do terceiro trimestre de 2017 para o terceiro trimestre de 2018. A Polónia aumentou o seu número total de licenciados para 14, adicionando mais sete licenças este ano. Além disso, a Noruega ou a Finlândia, que mantêm o seu monopólio, não pretendem mudar a sua abordagem. Pelo contrário: a Noruega acabou de informar que as rigorosas medidas de fiscalização, incluindo bloqueio de pagamentos e expulsão da AppStore de operadores não licenciados, levaram a uma redução na publicidade de operadores offshore, enquanto as receitas dos operadores locais Norsk Tipping e Rikstoto aumentaram mais de 30%.

No geral, o bloqueio de pagamentos e IPs, como ferramentas para estancar o mercado negro, esteve no topo da agenda em 2018: Sete Estados-Membros da UE já usam o bloqueio de pagamentos, mais três farão o mesmo, ou seja, mais de um terço dos países da UE já opta por estas medidas para proteger os seus cidadãos, e 17 Estados-Membros bloqueiam ativamente IPs, entre os quais a Espanha, a Dinamarca, a França e alguns dos Estados da Europa Oriental. Consequentemente, os países fora da UE copiam essas regras, como por exemplo, a Suíça, cuja nova lei apenas permite aos operadores locais a oferta de produtos de jogos de fortuna ou azar online, entrará em vigor no início deste ano.

Agora, quais os desafios que terão lugar neste ano? Nunca é fácil prever o futuro, a menos que tenhamos uma bola de cristal. Mas olhando para esta deslocação orientada para estruturas mais conservadoras, é bastante provável que este movimento não apenas continue, mas aumente. E mesmo que seja com atraso, os mercados em vias de regulação estarão de olho nestas regras de constrangimento na Europa, seja no Brasil, Argentina, África ou Índia. Competirá agora aos modelos demonstrar a breve trecho que ambos são possíveis: liberais e seguros para os consumidores, cautelosos e orientados para o futuro.

A RICARDINA
03.01.2019

O Interesse público entre o mercado e a proteção de consumidores

Com a emissão da licença n.º 001 à empresa BEM OPERATIONS LIMITED, que opera a marca Betclic, para exploração de apostas desportivas à cota, iniciou-se na data da sua emissão, a 25 de maio de 2016, o período máximo de dois anos previsto para a  reavaliação do Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online e do respetivo modelo de controlo, inspeção e regulação, a cargo da entidade de controlo, inspeção e regulação conforme dispõe o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de abril que aprova aquele regime jurídico.

A menos de um ano de se completar o prazo, e com o mercado a funcionar com um novo quadro regulador e 11 licenças emitidas à presente data, afigura-se pertinente compilar um conjunto de tópicos relevantes a figurar numa avaliação rigorosa e profunda sobre o novo quadro regulador, tomando por referência os princípios e objetivos elencados no preâmbulo do diploma:

» Trazer para a legalidade operadores e jogadores que atualmente jogam no mercado ilegal sem qualquer proteção, e assegurando, simultaneamente, o são funcionamento do Mercado;
» Estimular a cidadania e o jogo responsável e reforçar o combate à economia informal;
» Garantir a proteção dos menores e das pessoas mais vulneráveis;
» Evitar a fraude e o branqueamento de capitais;
» Prevenir comportamentos criminosos em matéria de jogo online;
» Salvaguardar a integridade do desporto, prevenindo e combatendo a viciação de apostas e de resultados;
» Conferir competitividade ao mercado português, pois entende -se que só deste modo se torna possível reduzir a prática ilícita do jogo online por parte dos operadores que disponibilizam jogo em Portugal e dos jogadores que a ele acedem.

A salvaguarda dos superiores objetivos de interesse público tem sido desde longa data um argumento insistentemente brandido para preservar uma larga margem de autonomia aos Estados Nacionais nas definição de políticas de jogo e proteção de consumidores, implementando medidas restritivas a esse propósito, pelo que se trata de um mercado excluído de harmonização europeia nos termos do artigo 25.º da Diretiva 2006/123/EC do Parlamento e do Conselho sobre Serviços no Mercado Interno.

Sob este respaldo cauciona-se, em vários jurisdições, o atraso na implementação de medidas que há muito se impõem face à evolução do mercado, propiciando situações lesivas do interesse público como o legislador português enfatiza ao referir que “A situação com que hoje nos confrontamos em material de jogo online é, desta feita, comparável à que existia em Portugal em 1927, antes da regulação da exploração e prática dos jogos de fortuna ou azar”.

Trata-se, pois de um quadro regulador que naturalmente requer a necessária consolidação entre todos os parceiros aos quais se aplica.

A palavra “parceiros” não é, de todo, aqui despicienda, pois os casos de maior sucesso e eficácia na adoção de um quadro regulador moderno em regimes de licenciamento conformam uma visão de estreita colaboração entre operadores, autoridades públicas, reguladores e demais entidades na implementação da lei, e dos seus necessários ajustamentos perante um mercado de enorme volatilidade, numa ótica de responsabilidade social e corporativa.

Os modelos verticalizados, de base burocrática-administrativa, transformam a regulação num instrumento estanque de mera avaliação da conformidade com um conjunto de requisitos que à data da sua emissão já estão ultrapassados pelo mercado. Reduzem os operadores à condição de meras entidades destinatárias do cumprimento da lei e de decisões de terceiros, abdicando do seu relevante contributo, e conhecimento técnico, enquanto parceiros empenhados para a prossecução dos princípios e objetivos legais anteriormente enunciados que, afinal, são também do seu superior interesse, pois é a credibilidade e competitividade do mercado que asseguram a sua viabilidade económica.

Perante um mercado global e tecnologicamente sofisticado, com uma ampla gama de produtos e serviços, a transição de um modelo hierarquizado, para um modelo matricial, que rompa com uma lógica de operação em silo, para uma base comum de coordenação e troca de informações afigura-se decisiva para a eficácia da regulação, seguindo aquelas que são as boas práticas recomendadas pelas instituições de referência em relação ao combate à infiltração criminosa na indústria do jogo, branqueamento de capitais, proteção de consumidores, integridade desportiva e jogo responsável.

A avaliação do impacto da regulação que o país espera ao final de dois anos não dispensa uma análise isenta, baseada em indicadores e dados robustos, sobre o impacto de um novo modelo regulador.

1 – Desde logo, começando na lista acima enunciada, na monitorização do mercado ilegal a operar em Portugal e no efeito corretivo que o novo regime jurídico introduziu, quantificando operadores e jogadores que transitaram para o mercado licenciado.

2 – Depois, avaliar quais as medidas e programas de jogos responsável levados a cabo e a sua eficácia junto dos consumidores, nomeadamente as ações preventivas de sensibilização e de informação, e os códigos de conduta e a difusão de boas práticas previstos no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de abril, tomando por referência os manuais e programas de avaliação de jogo responsável, com especial atenção na avaliação dos fatores críticos de despiste e proteção de vulneráveis.

3 – Sobre o branqueamento de capitais e prevenção de práticas criminosas o anterior artigo procurou elucidar a especial vulnerabilidade que o mercado online apresenta como janela de oportunidade de baixo risco e lucro elevado para diversas operações criminosas, através de operadores licenciados, para além das práticas criminosas em franca expansão na Darknet e no mercado não licenciado. Por isso, e sem prejuízo da introdução e cumprimento das medidas previstas para implementação das orientações vertidas na 4.ª Diretiva sobre Prevenção do Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo, o reporte e colaboração com a Unidade de Investigação Financeira na implementação de mecanismos ágeis de despiste e reporte trata-se de um fator crítico de análise e avaliação em complemento com a eficácia das políticas de idoneidade, “Know your Customer”, “Know your Winner”, limitação de depósitos, fecho de contas e levantamento de prémios.

4 – Na salvaguarda da integridade no desporto, o novo quadro regulador proíbe apostas de agentes desportivos (praticantes, dirigentes, treinadores, etc.) em competições desportivas onde direta ou indiretamente sejam intervenientes. Desconhecem-se quais os mecanismos que o regulador dispõe para cruzamento dos dados provenientes das federações desportivas nacionais com os registos de contas abertas pelos operadores licenciados que permitam conferir um controlo efetivo ao cumprimento desta norma, bem como os condicionalismos que o quadro normativo de proteção de dados pessoais possa apresentar a esse propósito.

Portugal foi o segundo país a ratificar e transpor para o ordenamento jurídico interno – através da Resolução da Assembleia da República n.º 109/2015 – o principal instrumento vinculativo de combate à manipulação de competições desportiva, a Convenção do Conselho da Europa sobre a Manipulação das Competições Desportivas, a qual tem por principais objetivos:

  • a) Prevenir, detetar e sancionar a manipulação nacional ou transnacional de competições desportivas nacionais e internacionais;
  • b) Promover a cooperação nacional e internacional contra a manipulação de competições desportivas entre as autoridades públicas competentes, e entre as entidades envolvidas no desporto e nas apostas desportivas.

Nos termos do artigo 13.º da Convenção, cada Parte (Estado signatário) deve identificar uma plataforma nacional destinada ao tratamento da manipulação de competições desportivas, a qual deve, nomeadamente, em conformidade com o direito interno:

  • a) Funcionar como um centro de informação, recolhendo e transmitindo às organizações e autoridades competentes informações pertinentes para a luta contra a manipulação de competições desportivas;
  • b) Coordenar a luta contra a manipulação de competições
  • c) Receber, centralizar e analisar informações sobre apostas irregulares e suspeitas em competições desportivas realizadas no território da Parte e, se for caso disso, emitir alertas;
  • d) Transmitir informações sobre eventuais violações da lei ou da legislação desportiva referida na presente Convenção às autoridades públicas ou às organizações desportivas e/ou aos operadores de apostas desportivas;
  • e) Cooperar com todas as organizações e autoridades competentes, a nível nacional e internacional, incluindo com as plataformas nacionais dos outros Estados

Este instrumento obrigatório, e vital para o combate a esta ameaça crescente ao desporto e ao mercado de apostas desportivas, encontra-se ainda por concretizar e comunicar ao Secretário -Geral do Conselho da Europa o nome e o endereço, conforme dispõe o n.º 2 do referido artigo, privando o país de se representar na rede de plataformas nacionais (Grupo de Copenhaga) que procuram no seio do Conselho da Europa reforçar a sua coordenação, troca de boas práticas e capacidade de ação.
“Salvaguardar a integridade do desporto, prevenindo e combatendo a viciação de apostas e de resultados” num quadro de avaliação do atual modelo regulador não pode ignorar o impacto das lacunas enunciadas.

5 – Em diversas ocasiões têm sido emitidas opiniões por especialistas e operadores sublinhando a “insustentabilidade” do mercado de jogo online pela carga fiscal excessiva prevista, a qual protege operadores de menor dimensão, pois a taxa varia entre 8 e 16% em função do volume de negócios.

Alguns estudos e análises publicadas dão conta que é improvável os operadores licenciados em Portugal estabelecerem margens em níveis competitivos com operadores estrangeiros, exigindo a aplicação estrita de medidas de regulação contra operadores não licenciados para viabilizar o investimento no mercado nacional, pois segundo projeções realizadas uma taxa de 8% sobre o volume de negócio corresponde a uma taxa sobre a receita bruta de jogo entre 40 a 60%. Ora, isso configura um obstáculo para os operadores terem margens competitivas e apresentarem apostas individuais com odds longas atrativas, particularmente em operadores cujo volume de negócios os projeta para o limite máximo da taxa prevista.

Cumpre avaliar o fundamento técnico desta asserção na competitividade do mercado nacional e qual o efeito gerado nos consumidores e apostadores, bem como no condicionamento do mercado ilegal.

Porventura, entre vários outros, consideram-se estes os pilares determinantes numa avaliação do impacto da regulação e alguns dos domínios onde o superior interesse público, que a legislação procura acautelar, reclama uma análise objetiva e clara para salvaguardar a reputação e credibilidade da indústria tendo em conta que qualquer remédio que se equacione não pode deixar de ter por base um modelo colaborativo assente numa matriz de responsabilidade social e corporativa que saiba prosseguir os princípios e objetivos da lei para além de uma visão hierarquizada e da superficialidade de um mero controlo de conformidade.

A RICARDINA
30.10.2017

Jogo online em Portugal

Introdução

Tradicionalmente a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa detém o monopólio da oferta de lotaria e produtos de apostas desportivas mútuas. A partir de 2003, também lhe foi concedido o monopólio do jogo online. Porém, à medida que Portugal enfrentava dificuldades económicas, a Troika (Fundo Monetário Internacional (FMI), Comissão Europeia e Banco Central Europeu) pressionava o governo a aumentar as receitas, inclusive através do licenciamento de jogos de fortuna ou azar online. Finalmente, em 29 de abril de 2015, foram publicados cinco novos decretos que introduziram um grande número de alterações na indústria do jogo. Portugal abriu o seu mercado de jogo e apostas, permitindo, pela primeira vez, a emissão de uma série de licenças de jogos. Em maio de 2016, a primeira licença de jogo online foi concedida à Betclic.

De acordo com o regulador de jogos de fortuna ou azar, o Serviço de Regulação e Inspeção Jogos (SRIJ), responsável pela emissão de licenças de jogo online nos termos do Decreto-Lei n.º 66/2015, ainda existem 14 pedidos de licença pendentes de aprovação. Enquanto isso, Edmundo Martinho, vice-presidente da Santa Casa, comentou, em setembro de 2016, que a instituição poderia candidatar-se a uma licença de apostas desportivas à cota, ao mesmo tempo que sublinhava que não está interessado em oferecer jogos de casino online.

A Santa Casa ainda é a única instituição autorizada a operar jogos de lotaria e jogos de apostas desportivas mútuas, tanto offline como online. Os jogos de apostas desportivas e hípicas mútuas de base territorial também estão sob o monopólio da Santa Casa após a publicação desses decretos em abril de 2015.
Os casinos de base territorial são permitidos através de concessões específicas outorgadas pelo estado, bem como os bingos.
As máquinas de jogo são autorizadas apenas nos casinos ou locais de jogo específicos.
O SRIJ controla e supervisiona os jogos de fortuna ou azar em Portugal, com exceção dos jogos sociais da Santa Casa, instituição que não faz parte do governo português, mas é supervisionada pelo Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social e ocasionalmente pela Inspeção-Geral das Finanças .
O SRIJ é uma entidade dentro do Turismo de Portugal, que faz parte do Ministério da Economia. O SRIJ possui autonomia técnica e funcional.

O Novo Regime de Licenciamento

Em 28 de junho de 2015, a nova legislação sobre licenças de jogo online entrou em vigor em Portugal. As autoridades portuguesas iniciaram o trabalho sobre a implementação do novo regime de licenciamento de jogos de fortuna ou azar logo após a entrada em vigor  da legislação, informando o regulador   que a partir desta data os operadores que continuassem com as suas atividades no país poderiam enfrentar sanções criminais e esse facto poderia ser levado em consideração na concessão de licenças, uma vez que um dos requisitos de licença deve considerar a boa reputação.

No início de julho de 2015, o SRIJ também enviou cartas a operadores online ainda ativos em Portugal, informando-os de que o Decreto-Lei nº 66/2015 estava em vigor e as suas atividades eram consideradas crime e deviam cessar no prazo de 48 horas.

Em novembro de 2015, o SRIJ notificou a Comissão Europeia sobre o projeto de regulamento para intercâmbios de apostas, após uma consulta de 30 dias das partes interessadas. O período de análise da Comissão terminou em 15 de fevereiro de 2016. Em 17 de março de 2016, o SRIJ iniciou uma segunda consulta de 30 dias úteis sobre os projetos de normas técnicas para sistemas de jogos de troca de apostas. Esta consulta terminou em 29 de abril e o relatório foi publicado.

Em 17 de março de 2016, o SRIJ também iniciou uma consulta de 30 dias úteis sobre os projetos de requisitos técnicos para a liquidez partilhada. Este projeto de regulação de liquidez partilhada internacional, com jogadores registados em países onde o jogo online e liquidez partilhada estão também regulamentados. Os operadores terão de estar licenciados em Portugal, bem como em um país onde a liquidez partilhada está regulamentada, para a oferecer entre os jogadores registados nos dois países. Com base nos documentos sob consulta, Portugal poderá autorizar a liquidez partilhada para jogos de poker, apostas desportivas e apostas em corridas de cavalos. Esta consulta terminou em 29 de abril.

Litígios Relevantes

A Santa Casa iniciou processos judiciais contra uma série de operadores online que visavam jogadores nacionais. O mais importante desses casos envolveu a Bwin, caso que foi encaminhado para o Tribunal de Justiça da União Europeia (CJEU) em 2007. O diferendo referiu-se a um acordo de patrocínio de quatro anos de € 10,5 milhões assinado entre a Bwin e a Liga de Futebol, em 2005. O TJUE emitiu a sua decisão final em 8 de setembro de 2009.

No acórdão, concordou que a lei portuguesa não estava de acordo com o princípio da liberdade de serviços no mercado da UE; No entanto, decidiu que “pode ser justificada por razões de  interesse público”. Nesse sentido, o tribunal estabeleceu que o combate ao crime pode constituir “uma razão imperiosa de interesse público” e, portanto, justificar restrições à prestação de serviços de jogo na UE.

O tribunal também restringiu o princípio do reconhecimento mútuo no caso de jogos de fortuna ou azar oferecidos na internet. Segundo o tribunal, o facto do  ojogo online não estar sujeito à harmonização comunitária possibilita que existam diversos graus de exigência no que respeita às condições de licenciamento entre cada Estado-Membro com os controlos ou as condições legais exigidas em outros Estados membros onde o operador de internet está estabelecido. O acordão também lhes confere o direito de estabelecer os seus próprios requisitos para prevenir crimes e fraudes. Consequentemente, o tribunal considerou que o monopólio da Internet estabelecido a favor da Santa Casa é justificado e, portanto, está em conformidade com a regulamentação da UE.

Numa conferência sobre conformidade regulamentar em Lisboa, no dia 1 de dezembro de 2015, a “Remote Gambling Association (RGA)” anunciou que tinha interposto uma queixa na Comissão Europeia por auxílio estatal com base em tratamento diferenciado previsto na nova legislação portuguesa sobre apostas online. De acordo com Pierre Tournier, diretor da RGA, os três aspetos abrangidos pela queixa são:

  • » Os diferentes regimes de tributação aplicados a apostas desportivas à cota online e de base territorial, que a RGA acredita beneficiar a Santa Casa, já que lhe foi concedido um monopólio de jogo de base territorial.
  • » Os diferentes regimes de tributação aplicados às apostas cruzadas e outros jogos de apostas, com as apostas cruzadas a serem tributadas com base na receita bruta de jogo e as apostas à cota sobre o volume de apostas.
  • » O regime de tributação baseado em escalões, que a RGA acredita beneficiar os operadores menores, que serão menos tributados, enquanto os operadores com maior volume de negócios terão maior taxa de imposto.

Visão Regulamentar Geral

Regimes de Monopólio e de Licenciamento

Em Portugal, o jogo online está regulado, em regime de monopólio para alguns jogos e licenças disponíveis para outros.

De acordo com o Decreto-Lei n.º 282/2003, a Santa Casa está autorizada a oferecer jogos de apostas e jogos de lotaria na internet, televisão e telefone/celular. O Decreto-Lei n.º 66/2015 estabeleceu pela primeira vez um regime de licenciamento para uma série de jogos online. Os jogos de lotaria e apostas mútuas desportivas estão sob o monopólio da Santa Casa.

Vigora um regime de licenciamento para os seguintes:

  • » Apostas desportivas à cota;
  • » Apostas hípicas, mútuas e à cota;
  • » Jogos de fortuna ou azar, nos quais se incluem os seguintes tipos:

Bacará ponto e banca/Bacará ponto e banca Macau;
Banca francesa;
Blackjack/21;
Bingo;
Jogos de máquinas;
Poker em modo de torneio;
Poker não bancado na variante “Omaha”;
Poker não bancado na variante “Hold’em”;
Poker não bancado na variante “Poker sintético”;
Poker sem descarte;
Roleta americana;
Roleta francesa.

Licenças

Podem ser concedidas licenças a sociedades de responsabilidade limitada estabelecidas em qualquer Estado-Membro da União Europeia ou no Espaço Económico Europeu. No caso das empresas estrangeiras, estas deverão estabelecer uma filial em Portugal. O procedimento para obter uma licença é descrito no artigo 11º do Decreto-Lei 66/2015. Os candidatos deverão entregar o formulário eletrónico, preenchido em português, à autoridade reguladora.

As licenças são emitidas por um período de três anos, renováveis por períodos sucessivos de três anos (artigo 20º).  Durante o prazo de vigência da licença o titular pode solicitar autorização para explorar novos tipos de jogos, para além dos aí referidos (Artigo 12º).

As principais condições a serem observadas pelos candidatos incluem requisitos de Idoneidade (Listados no Artigo 14º), requisitos de capacidade técnica (Listados no Artigo 15º) e requisitos de capacidade financeira (Listados no Artigo 16º).

De acordo com o artigo 16º, os candidatos terão de demonstrar que têm uma autonomia financeira mínima, calculada a partir do balanço do último exercício, através da seguinte fórmula:

Autonomia financeira = CP/AL x 100

Em que:

– Capitais próprios (CP), corresponde ao somatório do capital realizado, deduzidas as ações próprias, com as reservas, os resultados transitados e os ajustamentos em ativos financeiros;

– Ativos líquidos (AL), corresponde aos ativos reconhecidos de acordo com o normativo contabilístico aplicável.

artigo 18º obriga que os requerentes prestem duas cauções. Uma no valor de € 500.000 para garantir o cumprimento das suas obrigações legais, nomeadamente o pagamento dos saldos estimados das contas dos jogadores e de eventuais coimas, e a segunda caução de € 100.000 para garantia do pagamento do imposto especial de jogo online (IEJO).

O Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de abril, determina, no seu artigo 92º, que são devidas taxas pela homologação do sistema técnico de jogo, pela emissão da licença, pela prorrogação do prazo da licença e pela autorização para a exploração de novos tipos de jogos de fortuna ou azar.

Os montantes das taxas são os fixados na tabela constante do Anexo da Portaria n.º 211/2015 de 16 de Julho

Impostos

A Santa Casa não paga impostos de jogo ao Governo. No entanto, deve distribuir os seus lucros por várias instituições. O Decreto-Lei n.o 56/2006 de 15 de Março determina a forma como esta distribuição deve ocorrer.

Decreto-Lei n.º 175/2009 de 4 de Agosto inclui os jogos operados pela Santa Casa no  âmbito do  Código de Imposto do Selo. O imposto é baseado no montante apostado pelos jogadores a uma taxa de 4,5 por cento.

artigo 88º do Decreto-Lei n.º 66/2015 cria um imposto especial de jogo online, identificado como IEJO. Este imposto deve ser pago mensalmente.

De acordo com o artigo 89º deste decreto, o imposto que recai sobre os jogos de casino online e jogos de bingo online é calculado com base na receita bruta:

  • » Taxa de imposto de 15 por cento até uma receita bruta de €5 milhões;
  • » Quando a receita bruta anual da entidade exploradora for superior a €5 milhões, a matéria coletável é dividida em duas parcelas:
  • a) Até ao montante de €5 milhões, aplica -se a taxa de 15%;
  • b) Sobre o excedente, a taxa é determinada com base na seguinte fórmula:
  • Taxa = [15% × (montante da receita bruta anual/€5milhões)]

A taxa calculada nos termos da alínea b) tem como limite máximo 30%.

artigo 90º regula o regime de tributação das apostas desportivas à cota. Para este jogo, o IEJO é baseado no volume de negócios ( receitas resultantes do montante das apostas efetuadas) incluindo comissões cobradas pelo operador. O imposto é calculado da seguinte forma:

  • a) Taxa de imposto de 8 por cento até ao volume de negócios de €30 milhões.
  • b) Para o volume de negócios superior a €30 milhões , é utilizada a seguinte fórmula:
  • Taxa = [8% × (montante anual das apostas efetuadas/€30milhões)]

A taxa calculada nos termos da alínea b) tem como limite máximo 16%

artigo 91º do Decreto-Lei n.º 66/2015 regula o regime de tributação das apostas hípicas mútuas e à cota online. Para as apostas hípicas mútuas, o imposto segue o regime estabelecido para jogos de casino e bingo online, com base nas receitas brutas e variando entre 15 e 30 por cento. Para as apostas hípicas  à cota, o imposto segue o regime estabelecido para as apostas desportivas à cota, com base no volume de negócios. variando entre 8 e 16 por cento.

Para as apostas cruzadas (bolsas de apostas), o Decreto-Lei n.º 66/2015 prevê que, quando a única receita do operador for as comissões cobradas nos jogos em que os jogadores jogam uns contra os outros, o imposto é baseado no valor dessas comissões a uma taxa de 15 por cento.

Tributação dos Ganhos dos Jogadores

A todos os jogos oferecidos pela Santa Casa é aplicado um imposto de 20 por cento sobre os ganhos acima de €5.000 (Lei n.º 66-B/2012 que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2013).

Procedimentos de Controlo e Segurança

Bloqueio de Sites

De acordo com o artigo 31º do Decreto-Lei n.º 66/2015, entre outras obrigações previstas, os prestadores intermediários de serviços em rede estão obrigados, no prazo máximo de 48 horas, a contar da notificação emitida pela autoridade reguladora, a bloquear o acesso a operadores não licenciados.  De informar, de imediato, quando tiverem conhecimento de atividades ilícitas em matéria de jogos e apostas online que se desenvolvam por via dos serviços que prestam.

Cartão de Jogador

A Santa Casa possui um sistema de cartão de jogador que permite  aos jogadores fornecer os seus dados pessoais e controlar a os montantes jogados, bem como receber os prémios. Este cartão é ativado com um número de identificação e código pessoal  selecionado pelo jogador. Os jogadores devem adicionar um valor a este cartão para poder jogar, que deve variar entre um mínimo de €5  e um máximo de €300.

Registo dos jogadores

artigo 37º do Decreto-Lei n.º 66/2015 estabelece as regras para o registo de jogadores. De acordo com este artigo, as operadoras serão obrigadas a recolher as seguintes informações de cada jogador: o nome completo do jogador, a data de nascimento, a nacionalidade, a profissão, a morada de residência, o número de identificação civil ou do passaporte, o número de identificação fiscal, o endereço de correio eletrónico e os elementos identificadores da conta de pagamento. O registo é efetivo assim que o jogador for verificado.

O registo de jogador só se torna efetivo depois de verificada a respetiva identidade e confirmada a inexistência de proibição de jogar, momento a partir do qual o jogador pode dar início à prática de jogos de apostas online.

Entidades Certificadoras

O Decreto-Lei nº 66/2015 determina que entidades credenciadas deverão certificar os sistemas técnicos de jogo. O SRIJ autorizou os seguintes laboratórios de testes:

• NMI Metrology and Gaming
• GLI – Gaming Laboratories International
• iTech Labs
• SIQ – Slovenian Institute of Quality and Metrology
• eCOGRA/ Egaming Compliance Services Limited
• BMM Spain Testlabs
• QUINEL M Ltd
• Gaming Associates Europe Ltd
• Fundación Tecnalia R&I

Normas Técnicas de Jogo

Em 23 de dezembro de 2015, foram publicadas as normas técnicas (Regulamento nº 903-B / 2015). Em 13 de abril de 2016 foram introduzidas pequenas alterações a este documento através do Regulamento nº 379-A/2016

Restrições de Publicidade

Legislação Principal

• Decreto-Lei nº 330/90, de 23 de Outubro
• Decreto-Lei nº 282/2003, de 08 de Novembro
• Decreto-Lei nº 66/2015, de 29 de abril

A fiscalização do cumprimento do disposto no artigo 21.º, bem como a instrução dos respetivos processos de contraordenação e a aplicação das correspondentes coimas e sanções acessórias, competem ao Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos e à comissão de jogos do Instituto do Turismo de Portugal, I.P., nos termos previstos na respetiva lei orgânica.

Restrições Para Operadores Não Licenciados

As regras que estabelecem sanções penais para operadores não licenciados incluem uma restrição à promoção de apostas não licenciadas. Esta restrição está presente na nova regulamentação para jogo online, apostas à cota e apostas mútuas hípicas de base territorial.

Restrições Para Operadores Licenciados

Inicialmente o artigo 21º do Código da Publicidade  proibiu a promoção de jogos de fortuna ou azar, com exceção dos jogos da Santa Casa. No entanto, o artigo 21º do Código da Publicidade, conforme alterado pelo Decreto-Lei n.º 66/2015, agora permite a promoção de apostas com novas regras.

A RICARDINA
10.09.2017

Branqueamento de capitais - Um desafio crucial

Relatórios do Conselho da Europa e da EUROPOL sublinham recorrentemente os perigos do jogo online ou de base territorial no branqueamento de capitais.

Portugal acompanhou através da recente introdução de um novo quadro regulador uma vaga de reformas legislativas nacionais que desde a última década procurou combater o jogo ilegal e a fraude associada, perante a rápida expansão de oferta de serviços e operadores de jogo e apostas num contexto económico particularmente crítico.

Porém, esta súbita evolução da indústria continua longe de ser acompanhada por uma avaliação consciente das autoridades competentes sobre os seus potenciais efeitos positivos e riscos associados em matéria de proteção de consumidores, redução de jogo ilegal, aumento das receitas fiscais e demais fatores críticos.

Relatórios do Conselho da Europa e da EUROPOL sublinham recorrentemente os perigos do jogo online ou de base territorial no branqueamento de capitais, estimando-se que só a economia das apostas desportivas lave cerca de 140 biliões de dólares ao ano.

O jogo, seja legal ou – em muitos casos – ilegal, sempre foi atrativo ao crime organizado e desempenhou um papel relevante na ascensão das principais redes de criminalidade organizada transnacional, desde os carteis sul-americanos às máfias italianas e de leste, passando pelas tríades e a Yakuza.

Ora, sendo esta uma realidade com raízes históricas conhecidas, com infiltrações em centros globais de jogo de base territorial como Las Vegas e Macau, a progressiva legalização e abertura de novos canais, com fluxos maciços de capitais e um quadro regulador frágil, incipiente ou até inexistente, oferece novos territórios e oportunidades para o branqueamento de capitais florescer e se expandir a infiltração criminosa.

Acresce que as autoridades reguladoras tendem a concentrar os seus recursos no combate ao jogo ilegal e ao enriquecimento ilícito, e não tanto ao branqueamento de capitais, o qual não é visto pelos órgãos de investigação e ação penal como uma prioridade pois preferem seguir os criminosos mais do que a sua carteira de ativos.

Este contexto agrava-se perante a escassez de meios, competências técnicas e mecanismos céleres e eficientes de troca de informações transnacionais, bem como da ausência de vitimas ou denúncias, nomeadamente quando se tratam de apostas em operadores ilegais que frequentemente laboram num contexto de opacidade e pactos de silêncio.

Aliás, por definição um apostador com o propósito de branquear capitais assume que irá perder regularmente uma percentagem das suas apostas, tornando-se por isso um cliente atraente para os operadores, cujo interesse em reportar transações suspeitas ou implementar mecanismos exaustivos de controlo “Know Your Customer” e “Know Your Winner” é diminuto pois a sua principal prioridade é lutar por uma quota de mercado, mesmo em jurisdições fortemente reguladas.

Logo, é expectável que a generalidade dos operadores licenciados se limite a cumprir com os requisitos elementares estabelecidos na lei e tire o máximo  proveito das suas debilidades, pois tem apurada noção que ir mais além e aplicar procedimentos mais rigorosos distorce a concorrência em seu desfavor uma vez que o mais natural será o cliente mudar-se para um rival que não aplique tais procedimentos.

Este é particularmente o caso quando as autoridades reguladoras falham ou afrouxam a implementação de medidas de “due diligence” e idoneidade para impedir que o branqueamento de capitais tenha lugar em salas de jogo ou em sites de operadores licenciados, tornando praticamente impossível o rasto do capital inicial proveniente de proveitos criminosos que se dispersa por múltiplas contas, jurisdições e apostadores a soldo, nomeadamente quando na generalidade dos mercados regulados a aposta em operadores ilegais não configura um crime.

Um cenário que hoje assume outros contornos, num mercado em que o jogo ilegal representa 82% do mercado global e a sua taxa de retorno média (payout) é de 96,2%. Onde mais de 80% dos operadores se localizam em países considerados como paraísos de jogo e paraísos fiscais. Isto é, de acordo com a OCDE, jurisdições que reúnem os seguintes três critérios:

• Ausência de impostos ou impostos nominais;
• Falta de transparência no sistema financeiro;
• Falta de troca de informações fiscais.

A generalidade destas jurisdições apresentam “deficiências estratégicas persistentes” e encontram-se classificadas nas listas negras e avaliadas com maiores vulnerabilidades ao branqueamento de capitais nos principais relatórios de referência regularmente publicados pelo G20, GAFI e FMI.

Torna-se assim extremamente complexo seguir os fluxos financeiros depositados em contas destas jurisdições – onde o peso do mercado do jogo no PIB é substancial – antes de serem transferidos para a conta de um prestador de serviços de jogo e posteriormente canalizados em prémios para uma conta bancária verdadeiramente escrutinada, completando assim o ciclo do branqueamento.

A flexibilidade e a confidencialidade que a legislação nestas paragens assegura a quem quer abrir um negócio ou criar uma conta bancária transforma o jogo numa ferramenta ideal para branqueamento de proveitos de atividades criminosas.

Antígua e Barbuda, Costa Rica, Cagayan (Filipinas), Alderney (Guernsey), Malta e Gibraltar são, entre outras, jurisdições que acolhem a generalidade dos operadores e suas plataformas de jogo online, nomeadamente as empresas globais com maior volume de negócios e licenças em vários países europeus.

No combate a este desafio que corrói a industria do jogo, a ordem pública e a proteção dos consumidores, o Estado – na sua condição de legislador e regulador – e os operadores licenciados assumem papéis preponderantes.

O Estado pela capacidade em legislar e aplicar um quadro regulador que contenha disposições sobre os fatores de risco de branqueamento de capitais. Desde as opções políticas em relação à prioridade no combate a este fenómeno e ao jogo ilegal – entre elas a questão da liquidez internacional -, como nas medidas específicas com impacto significativo como sejam os tipos de apostas autorizadas, nomeadamente as de maior risco (contra-aposta e apostas ao vivo); a limitação sobre os níveis de payout, sobre o volume de apostas, o tempo de jogo e os métodos de pagamento autorizados; bem como os procedimentos de identificação de clientes e idoneidade dos operadores.

No seu papel de regulador, assegurar que a legislação de branqueamento de capitais se aplica a toda a indústria do jogo, através de uma Unidade de Informação Financeira habilitada a cruzar a informação proveniente de denúncias de operações suspeitas, a nível nacional e internacional, e a conduzir de forma célere os processos de inquérito supervenientes, bem como mobilizar as instituições bancárias a serem diligentes neste domínio quando em causa estão transações e apostas suspeitas.

No caso dos operadores, na implementação de mecanismos de controlo de acordo com a legislação dos Estados onde operam, pois, considerando o que acima se expôs sobre o potencial de atração de clientes com um perfil de consumo de jogo associado a branqueamento de capitais, existe uma grande diferença entre países onde estes mecanismos são deixados ao critério do operador e aqueles onde se tratam de responsabilidades conferidas no ordenamento jurídico e devidamente sancionadas em caso de incumprimento.

Deveres de diligência e idoneidade, como o cruzamento dos dados das contas bancárias com os detalhes da conta individual de apostador; a verificação regular da idade, identidade de clientes e apostadores vencedores alinhada com as referências estabelecidas na 4.ª Diretiva de prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, ou a instrução e registo completo de alertas e denúncias de transações suspeitas são fatores críticos de segurança.

A existência de operadores que aceitam múltiplas contas bancárias por jogador/apostador, ou que aceitam contas em nome de pessoas coletivas, e não recusam contas bancárias sediadas em paraísos fiscais identificados nas listas do GAFI configuram vulnerabilidades acrescidas, que muitas vezes se juntam à dificuldade em intentar ações judiciais neste âmbito.

Com efeito, se é difícil criticar operadores, mesmo quando rigorosamente vigiados, pela ausência de uma atitude de responsabilidade social e corporativa proativa para com este assunto perante um mercado que se pretende competitivo, também as autoridades reguladoras tiveram num curto espaço de tempo de levar a cabo um conjunto de procedimentos essenciais para implementar um quadro legal que alterou substancialmente o panorama vigente, onde se incluiu a emissão de licenças, encontrando-se necessariamente a colmatar lacunas sobre um mercado altamente sofisticado, complexo e em permanente mudança substancialmente diferente e com novas ameaças em relação à estabilidade e previsibilidade do modelo monopolista que vigorou durante décadas.

Florescem assim, nos interstícios das lacunas deste sistema, as redes organizadas que se profissionalizaram em capitalizar a gestão de risco e todas as oportunidades nas diversas facetas de crime associado à indústria do jogo.

Portugal irá aprovar dentro em breve um pacote legislativo nesta matéria, na sequência de recomendações do Grupo de Ação Financeira (GAFI), transpondo para o ordenamento jurídico interno a 4.ª Diretiva de prevenção de branqueamento de capitais – Diretiva (UE) n.º 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015.

Apesar da indústria do jogo já se encontrar sujeita às disposições da anterior diretiva, na alteração introduzida à Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, pela Lei n.º 62/2015 de 24 de junho, bem como nas obrigações das entidades exploradoras licenciadas de acordo com o novo regime regulador do mercado de jogo e apostas desportivas, a nova Diretiva prevê que os prestadores de serviços de jogos ficam ainda obrigados a aplicar medidas de diligência quanto à clientela no momento da recolha de prémios e/ou no momento da colocação de apostas no montante igual ou superior a €2.000,00, independentemente de a transação ser efetuada através de uma ou mais operações.

Face ao exposto não se espera, portanto, um retrocesso nesta matéria, dado que a 4.ª Diretiva prevê, com exceção dos casinos, e após uma avaliação do risco adequada, aos Estados-Membros poderem decidir isentar total ou parcialmente os prestadores de determinados serviços de jogo das disposições nacionais de transposição desta Diretiva, com base no risco comprovadamente baixo que a natureza e a escala das operações de tais serviços representam.

Tanto mais que de acordo com a última avaliação disponível do Grupo de Ação Financeira ao sistema nacional de prevenção de  branqueamento de capitais terem sido evidenciadas preocupações na implementação das suas recomendações no que respeita ao número reduzido de declarações de operações suspeitas.

Afigura-se, pois, cada vez mais crucial para conseguir minimizar os riscos crescentes de branqueamento de capitais associado à indústria do jogo, levar a cabo uma abordagem holística que não se confine às tradicionais formalidades administrativas de combate ao jogo ilegal, mas seja também capaz de assimilar as boas práticas na monitorização e controlo efetivo da atividade licenciada, com as competências e “expertise” necessárias para o efeito, fomentando um quadro que favoreça uma intensa cooperação nacional e internacional entre as partes interessadas e deste modo transfira e aumente o risco para o lado da criminalidade, diminuindo a perceção de impunidade.

A RICARDINA
01.08.2017